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Gestação

A gestação é um processo que compreende desde a fecundação até o nascimento do produto e existem diversas condições que podem ser prejudiciais à gestação da égua. O comprometimento do feto ou da placenta podem ser identificados a partir de diferentes estratégias para o monitoramento de éguas gestantes, com ênfase nas gestações de risco: avaliação clínica da égua gestante, avaliação ultrassonográfica placentária e fetal (transretal e transabdominal), a utilização de marcadores endócrinos da função placentária e bem-estar fetal. As condições maternas e as características placentárias estão relacionadas com o desenvolvimento fetal adequado e com o nascimento de um potro saudável. Qualquer distúrbio ocorrido durante o período gestacional, no peri-parto ou no período neonatal geram grandes prejuízos para a indústria equina e,além disso, podem causar danos que irão prejudicar as taxas de concepção da égua em um próximo acasalamento ou até mesmo inviabilizar esta égua como reprodutora.

As condições que contribuem para perdas em gestações avançadas incluem agentes infecciosos, anormalidades fetais ou placentárias, anormalidades estruturais e doenças sistêmicas da gestante. A unidade útero-placentária pode ser comprometida por processos de hipoxemia ou infecção, o que interfere na difusão entre as circulações materna e fetal, reduzindo o aporte de nutrientes e oxigênio para o feto e placenta. Em resposta a este processo, ocorre um estresse fetal que pode dar origem a um retardo no crescimento intra-uterino. O retardo no crescimento intra-uterino é definido como o nascimento de um indivíduo com o peso até 10% abaixo do considerado normal para a população conforme o tempo de gestação, e resulta de dano celular e alterações endócrinas, metabólicas e da função cardiovascular. De acordo com a severidade destas alterações podem ocorrer morte fetal, aborto ou prematuridade. A causa mais frequente de perda de gestação está associada a placentite que, em éguas, é normalmente causada por infecção ascendente via cervical.

Com a avaliação obstétrica da égua durante a gestação e no pós-parto, torna-se possível reconhecer fatores que comprometem a gestação e a viabilidade do feto e do neonato. Desta forma, é possível intervir na égua ou no potro precocemente ao aparecimento de condição clínica.

Placenta

A placenta é um órgão transitório responsável por trocas metabólicas entre a mãe e o concepto. A placenta equina é classificada como epiteliocorial microcotiledonária difusa, o epitélio uterino encontra-se em íntimo contato com toda superfície do endométrio para a adequada nutrição e oxigenação do feto. A placenta é responsável pela síntese e transporte de nutrientes, remoção de resíduos, barreira imunológica entre o feto e o sistema imune maternal e atua como órgão endócrino temporário, produzindo e modificando hormônios. Esses processos dependem das características morfológicas da placenta, como área de superfície, espessura da barreira, densidade capilar e suprimento sanguíneo materno. Com isso quaisquer deficiências na função placentária podem se refletir nos déficits correspondentes de crescimento fetal e maturação. Por ser a principal relação da mãe com o feto durante toda a gestação, a placenta é um importante reflexo da condição fetal. Assim, alguns fatores clínicos não expressos da égua gestante, podem ser expressos em alterações placentárias. Tais alterações podem ocorrer de forma aguda ou crônica e as lesões morfológicas muitas vezes são inespecíficas e de interpretação subjetiva. Desta forma, uma avaliação mais minuciosa das membranas placentárias pode fornecer importantes informações sobre a gestação e consequentemente sobre a condição clínica do neonato.

Parto

O parto eutócico ou normal é caracterizado pela expulsão do feto do útero materno após a ruptura dos envoltórios fetais, seguido da expulsão destes para o meio externo no final do período gestacional. O parto é um evento conjunto, dependente da atuação da égua e do potro, e deve ocorrer da maneira mais natural possível. Na espécie equina, o parto é dividido em três fases (Figura 01).

Figura 01: Representação esquemática das fases do parto em éguas.
Figura 01: Representação esquemática das fases do parto em éguas.

Fase I: Preparação para o parto ou fase prodrômica

A primeira fase do parto é a mais longa, podendo durar mais de quatro horas. O comportamento da égua se assemelha aos observados em casos de cólica, como inquietação, sudorese excessiva na região dos flancos, deitar e levantar repetidamente, rolar, e olhar para o flanco. Esses sinais intermitentes de desconforto são atribuídos ao início das contrações uterinas e ao posicionamento do potro no canal do parto.

Nessa fase, ocorrem alterações internas como o relaxamento e a dilatação cervical, e início das contrações uterinas. Devido às contrações uterinas, o alantocórion é empurrado e comprimido pelo útero para o interior da cérvix, dessa forma, ele se rompe durante a passagem e há extravasamento do fluido alantoide. Essa fase termina com a ruptura da membrana córioalantóide. A falha na ruptura do corioalantóide é conhecida como descolamento precoce de placenta “red-bag”.

Fase II: Expulsão do produto

A segunda fase do parto, inicia-se com a eliminação do fluido alantóico e a entrada do feto no canal do parto. Na égua, caso não haja nenhuma complicação, essa fase deve durar de 10 a 30 minutos. A dilatação cervical associada à pressão mecânica na porção dorsal da vagina exercida pela entrada do potro no canal do parto irão estimular receptores sensitivos a levar os impulsos aos centros motores da medula espinhal, provocando o “Reflexo de Ferguson”, e consequente liberação de ocitocina, na qual irá provocar intensas contrações miometriais, abdominais e diafragmáticas, e dilatação dos tecidos moles da pelve, levando à expulsão do produto. Ainda que as éguas sejam aptas a parirem em pé, a maioria delas prefere o decúbito lateral no momento da expulsão fetal. O aparecimento na vulva dos membros anteriores, seguido do focinho e cabeça envoltos pelo âmnio, indica que as partes flexíveis do potro estão devidamente estendidas (Figura 2).

Figura 02: Membros anteriores, seguido do focinho e cabeça envoltos pelo âmnio na segunda fase do parto.
Figura 02: Membros anteriores, seguido do focinho e cabeça envoltos pelo âmnio na segunda fase do parto.

Fase III: Expulsão das membranas fetais

A terceira fase do parto é marcada pela expulsão das membranas fetais, a eliminação da placenta pode ocorrer entre 30 a 90 minutos após o parto. Nesta fase. Os movimentos uterinos auxiliam na expulsão da placenta e dos fluidos restantes, e também ajudam no processo de involução uterina. 

Logo após o parto a placenta deve ser examinada minuciosamente para a identificação de alterações morfológicas macroscópicas, que possam comprometer a viabilidade do neonato. 

O exame da placenta equina deve ser uma parte abrangente do  exame pós-parto de qualquer égua e do recém-nascido. Os sinais de anormalidades placentárias ou condições intra-uterinas podem ser identificados durante o exame macroscópico da placenta e podem servir como o primeiro alerta para uma afecção neonatal . A superfície vilosa (coriônica) das membranas fetais constitui uma imagem espelhada da superfície materna e pode, assim, fornecer pistas importantes para a saúde do endométrio e, possivelmente, a capacidade da égua conceber e levar outra gestação a termo. Além disso, as membranas fetais são de pertinência fetal e podem fornecer informações sobre uma doença sistêmica do potro, que podem ser difíceis de reconhecer durante o exame do neonato. A avaliação da placenta pode ser utilizada para o diagnóstico de placentite e de outras alterações placentárias, nas situações de abortos, a avaliação da placenta é crucial para apoiar no diagnóstico. 

Para a realização do exame da placenta, deve-se ter o conhecimento da anatomia e características macroscópicas de uma placenta normal, a fim de reconhecer as anormalidades. A placenta equina é constituída por duas membranas, alantocórion e alantoâmnion, e o cordão umbilical. O cordão umbilical possui uma porção alantoidea e uma porção amniótica, sendo que ele representa a única ligação do feto ao alantoâmnion. O cordão umbilical é composto de duas artérias e uma veia umbilical mais o úraco. Para o exame placentário, é importante  examinar todas as superfícies, a superfície coriônica é vermelha e  tem um aspecto fino e aveludado devido os microcotiledônes. Enquanto a face alantoideana que está em contato com o feto, apresenta uma coloração roxa a azulada, com vasos sanguíneos proeminentes Antes de iniciarmos o exame, devemos deixar a placenta disposta no formato de “F” para facilitar a avaliação (Figura 03).

Figura 3: Disposição das superfícies placentárias em forma de ‘F’
Figura 3: Disposição das superfícies placentárias em forma de ‘F’ para avaliação macroscópica, demonstrando a face coriônica caracterizada pela coloração avermelhada e aspecto aveludado devido presença de microcotilédones (A). A face alantoideana, demonstrando coloração roxa a azulada com proeminentes vasos sanguíneos (B).

Considerações Finais

A compreensão da fisiologia gestacional somada a atenção aos estágios do parto e dos cuidados no periparto contribuem para o sucesso da sobrevivência da égua e da assistência ao recém nascido.

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